A palavra genocídio e a sua definição legal foram cunhadas após a Segunda Guerra Mundial (II Guerra Mundial) e à luz das atrocidades em massa cometidas pelo regime nazi. Apesar de ter um nome relativamente novo, o crime já existia há décadas, se não séculos antes. O genocídio tinha sido cometido muito antes da II Guerra Mundial, no entanto, na altura em que era um crime sem nome, não se conheciam palavras capazes de captar a gravidade do acto.
O genocídio de Herero e Nama é um desses exemplos. Ocorreu entre 1904 e 1908 na África do Sudoeste ocupada pela Alemanha (actualmente o território da Namíbia). Uma colónia estrangeira em África, estava repleta de extorsão, abuso e escravatura.
caveiras da Alemanha, ao nascer do sol no aeroporto internacional a 4 de Outubro de 2011, nos arredores de Windhoek. (Crédito fotográfico: BRIGITTE WEIDLICH/AFP/Getty Images)
Em Janeiro de 1904, o povo Herero, liderado por Samuel Maharero, e o povo Nama, liderado por Hendrik Witbooi, revoltaram-se contra a ocupação colonial alemã. A sua rebelião não teve qualquer hipótese de sucesso contra a opressiva ocupação alemã da região. Em resposta, o General alemão Lothar von Trotha ordenou que “dentro das fronteiras alemãs, cada Herero, com ou sem arma, com ou sem gado, será baleado”. Muitos foram mortos em combate, inclusive durante a Batalha de Waterberg. Outros morreram de desidratação no deserto. Os prisioneiros em campos de concentração morreram de doença e exaustão. Estes vários métodos foram utilizados para responder à fracassada rebelião de Herero e Nama. Resultaram na aniquilação de aproximadamente 80% do povo Herero e 50% do povo Nama.
Oito décadas após as atrocidades, o Relatório Whitaker da ONU determinou que as atrocidades constituíram uma tentativa de exterminar o povo Herero e Nama na África Sudoeste alemã. O relatório nomeou o genocídio do povo Herero e Nama como um dos maiores genocídios do século XX (encontra-se entre “o massacre otomano de arménios em 1915-1916, o pogrom ucraniano dos judeus em 1919, o massacre de Tutsi de Hutu no Burundi em 1965 e 1972, o massacre dos índios Ache antes de 1974, o massacre dos Khmers Vermelhos em Kampuchea entre 1975 e 1978, os assassinatos iranianos contemporâneos de Baha’is, e o Holocausto’).
Em 2004, o governo alemão reconheceu formalmente as atrocidades coloniais perpetradas na África Sudoeste alemã e emitiu um pedido de desculpas. Contudo, na altura, o governo alemão excluiu quaisquer reparações para os sobreviventes ou as suas famílias. Em 2015, o governo alemão reconheceu oficialmente as atrocidades para constituir Völkermord (genocídio) mas, mais uma vez, excluiu quaisquer reparações.
Aven antes do reconhecimento formal pelo governo alemão das atrocidades como genocídio, em 2001, representantes do povo Herero entraram com uma acção judicial nos Estados Unidos. O processo identificou o governo alemão e o Deutsche Bank (a entidade comercial que financiou o governo alemão e outras empresas na África Sudoeste alemã) como os réus. O processo foi infrutífero. Em 2017, as organizações Herero e Nama apresentaram mais uma acção judicial nos EUA (em Nova Iorque), desta vez ao abrigo do Estatuto de responsabilidade civil de estrangeiros. O Estatuto de responsabilidade civil de estrangeiros equipara os tribunais distritais com “jurisdição original de qualquer acção civil intentada por um estrangeiro apenas por um delito, cometido em violação da lei das nações ou de um tratado dos Estados Unidos”. O Estatuto de responsabilidade civil foi lido para dar origem a um recurso global por violações do direito internacional (Filartiga v. Pena-Irala, Sosa v. Alvarez-Machain). Contudo, em 2013, no caso Kiobel v. Royal Dutch Petroleum, o Supremo Tribunal dos EUA confirmou unanimemente que o Estatuto de responsabilidade civil extraterrestre não se aplica a crimes que não “tocam e preocupam” os Estados Unidos e, por conseguinte, tais reivindicações não são passíveis de acção ao abrigo do estatuto. Isto sugere que os tribunais americanos não têm a jurisdição necessária para julgar o caso do genocídio cometido contra o povo Herero e Nama. Contudo, Ken McCallion actuando em nome dos queixosos, indicou que Kiobel e decisões posteriores deixam “a porta aberta” para os tribunais dos EUA ganharem a jurisdição extraterritorial sobre casos de genocídio.
O processo segue-se a negociações entre os governos alemão e namibiano que alegadamente excluem reparações para mais de 100.000 vítimas de genocídio. Isto significa que mesmo que a Namíbia receba reparações, estas não poderão chegar aos povos indígenas ou às famílias das vítimas e sobreviventes das atrocidades cometidas entre 1904-1908. A soma das reparações procuradas no processo não é especificada.
As dificuldades encontradas pelas comunidades Herero e Nama não são invulgares. Contudo, isso não significa que não serão bem sucedidas. De facto, existem precedentes para tais pedidos de reparação. Por exemplo, a Alemanha pagou indemnizações de guerra aos sobreviventes do Holocausto; os Estados Unidos pagaram indemnizações aos nipo-americanos; o Reino Unido prometeu pagar ao povo Mau Mau torturado sob o seu domínio no Quénia. No entanto, algumas reparações semelhantes são fortemente contestadas. O melhor exemplo é o dos polacos que tentam reclamar reparações pelas atrocidades nazis cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.
Embora alguns grupos tenham sido bem sucedidos na obtenção de reparações, outros têm lutado durante décadas e parece haver pouca esperança. As lutas experimentadas pelos sobreviventes e pelas famílias das vítimas no acesso a reparações por atrocidades em massa sugerem uma maior necessidade de uma abordagem mais uniforme e universal da questão. Mais importante ainda, em discussão com os governos sobre tais pedidos de reparação, as comunidades afectadas não podem ser excluídas. As vítimas, os sobreviventes e as suas famílias devem ser colocados em primeiro lugar.
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