DISCUSSÃO

A verdadeira incidência de hemorragia de um estoma é difícil de determinar. Duchesne et al1 descobriram que 2 de 164 (1,2%) doentes com um estoma sofreram hemorragias, de casos durante um período de 3 anos. Park et al2 realizaram uma grande análise retrospectiva de 1616 pacientes com um estoma, dos quais 428 tinham uma ileostomia de fim ou loop. Identificaram a hemorragia estomacal como uma complicação em 0,74% do grupo total. Infelizmente, a gravidade da hemorragia ou formação de varizes não foi documentada em nenhum dos estudos.

A colangite esclerosante primária tem uma forte correlação com a colite ulcerosante. Saich e Chapman3 sugerem que cerca de 5% dos doentes com colite ulcerosante têm colangite esclerosante primária associada (derivada de três estudos do Reino Unido, Noruega e Suécia).4-6 Um estudo recente na Argentina7 encontrou uma prevalência global de colangite esclerosante primária associada à colite ulcerosante de 2,9%, atingindo 6,2% na doença cólica extensiva. A taxa mais elevada em doentes com colite extensiva é confirmada por um estudo na Finlândia,8 que encontrou uma prevalência de 11,8% de doentes submetidos a proctocolectomia para colite ulcerosa.

O desempenho da proctocolectomia para colite ulcerosa na presença de colangite esclerosante primária documentada está associado a uma elevada taxa de desenvolvimento de varizes estomacais. Wiesner et al9 investigaram uma série de 19 pacientes que fizeram proctocolectomia para colite ulcerosa na presença de colangite esclerosante primária e observaram que 10 de 19 pacientes desenvolveram varizes peristómicas, com 7 pacientes a necessitarem de transfusão de sangue por hemorragia. No mesmo estudo, Wiesner et al9 observaram também que nenhum dos quatro pacientes com doença hepática que tinham anastomose ileoanal sofria de hemorragia, sugerindo que a anastomose é preferível à formação de ileostomia. 10 Eles descobriram que no grupo de 55 pacientes com anastomose ileoanal, não havia casos documentados de varizes ou hemorragias anastomóticas. De 23 pacientes que sangraram de varizes estomacais, a colite ulcerosa/ associação de colangite esclerosante primária representou 13 (57%) destes pacientes.

Há uma tendência crescente para a anastomose anal de bolsas ileais à medida que a técnica evoluiu.11 Isto implica que a incidência global de hemorragia por ileostomia pode diminuir com o tempo. Para pacientes como os nossos, isto pode ser desvantajoso, pois foi a presença de hemorragia que nos alertou para a presença de doença hepática associada e permitiu o encaminhamento imediato para uma unidade hepática terciária.

Durante a fase de ressuscitação, são frequentemente utilizados tratamentos locais para diminuir a hemorragia.12 As medidas locais incluem pressão, cautério, ligadura de sutura, escleroterapia e outras cirurgias locais (incluindo revisão ou repouso do estômago). Muitos autores10,12-14 descobriram que as medidas locais não conseguem controlar a hemorragia recorrente; nestes casos, a descompressão portal é necessária devido a doença hepática subjacente. Foram utilizadas shunts cirúrgicas e TIPS para aliviar a hipertensão portal em varizes do estômago com hemorragia. Em 1999, uma série de casos relatou que o TIPS controla com sucesso a hemorragia de varizes ectópicas,13 incluindo a hemorragia do estômago. A farmacoterapia com bloqueadores de β foi também utilizada para controlar a hipertensão portal.14,15

Na maior revisão sistemática até à data, Speir et al14 examinaram 74 estudos de 234 pacientes com varizes estomacais hemorrágicas. Concluem que o TIPS é o tratamento preferido para a descompressão portal, com shunts cirúrgicos utilizados em falhas do TIPS. Speir et al também recomendam o transplante do fígado no tratamento da doença hepática descompensada.

Três séries de casos recentes salientam a necessidade de considerar a doença hepática subjacente em casos de hemorragia por varizes do estômago. O problema da hemorragia recorrente foi descrito por Farquharson et al15 na sua apresentação de dois casos. Ambos os pacientes tinham doença hepática subjacente causadora de hipertensão portal e num caso isto foi documentado antes da hemorragia. 16 e seguintes descreveram três casos de hemorragia de estomas na presença de doença hepática. Embora dois pacientes fossem doentes terminais, observaram que episódios recorrentes de hemorragia significativa poderiam ter sido evitados se os pacientes tivessem tido um procedimento TIPS mais cedo. et al14 observaram que os clínicos podem não procurar inicialmente varizes quando confrontados com hemorragia de um estoma, atribuindo em vez disso a hemorragia à irritação local. A hipertensão portal não era conhecida em três dos oito casos que relataram, sendo encontrada apenas em investigação posterior. A ecografia é normalmente a primeira investigação radiológica realizada, mas pode ser não contributiva e pode ser necessária uma imagem transversal com TC ou ressonância magnética.17 A nossa apresentação do caso demonstra este ponto e sublinha a necessidade de investigação adicional se houver suspeita clínica.

PONTOS DE APRENDIZAGEM

  • p>>Variações estomacais hemorrágicas são uma marca distintiva da patologia hepática subjacente: hipertensão portal com ou sem cirrose.
  • p>Os clínicos precisam de ter um alto índice de suspeita e um limiar baixo para investigar e tratar estes pacientes.
  • p>Sem tratamento apropriado, pode haver recorrência de hemorragias que podem ser extensas e possivelmente fatais.
  • p> A indicação para o estoma inicial pode ser relevante para tratamento futuro (por exemplo, proctocolectomia para colite ulcerosa, com colangite esclerosante primária (PSC) associada causando hipertensão portal).

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